Iggy Azalea, a Rapper de Louboutins



Por Yuri Girardi

Pegue uma jovem loira, branca, do interior da Austrália, pobre, ambiciosa, ousada, cheia de revolta e sede de vitória. Agora a imagine em roupas estilizadas, típicas do poderio musical norte-americano, em um clipe bem produzido, cantando rap. Um tanto inusitado não? Pois bem, essa fórmula, digamos que, um tanto exótica para os padrões do rap tradicional, tem funcionado bastante com Iggy Azalea e seu sucesso mundial, “Work”.


Amethyst Amelia Kelly, 23 anos, conhecida como Iggy Azalea, nasceu em Sydney, Austrália. Ela e sua família se mudaram para Mullumbimby, New South Wales, quando ela ainda era uma criança, para uma casa de 12 hectares construída à mão por seu pai. Filha de um pintor e escritor de quadrinhos com uma camareira de hotel, Iggy desde cedo aprendeu a conviver com os problemas sociais e as dificuldades de se viver tão distante dos grandes centros urbanos e com poucos recursos financeiros. Iggy largou a escola aos 14 anos e decidiu se dedicar ao trabalho, ajudando a mãe como camareira em um hotel, a fim de juntar dinheiro para seguir o seu sonho de se tornar uma rapper. Azalea chegou a formar um grupo musical com algumas amigas, que se inspiravam no trio de R&B americano mundialmente famoso nos anos 90, TLC. O grupo formado com suas amigas não prosseguiu, pois Iggy ao contrário das outras era bem competitiva e levava a sério o lance de cantar. Aos 16, a jovem juntou todo o dinheiro que havia guardado trabalhando com a mãe, e resolveu fazer uma “viagem” à Miami, mentindo para os pais, nunca mais retornou, pois se sentiu vislumbrada por estar na terra dos seus ídolos e a passos da tentativa de uma carreira na música.


Durante o tempo que esteve nos EUA, Iggy perseguiu seu sonho de diferentes maneiras. Ela chegou a trabalhar como modelo, sendo a new face da Levi’s Jeans. Mudou-se para o Reino Unido, depois voltou aos EUA, assinando com gravadora Mercury Records e no ano seguinte com a Island Def Jam. A rapper começou a chamar a atenção do mundo da música em 2011, quando lançou a mixtape “Ignortant Art”, tendo os seus clipes “Pu$$y” e “My World” se tornado virais na web. Segundo ela, seu projeto tinha como objetivo fazer as pessoas repensarem ideias ultrapassadas. Em 2012, Iggy se tornou a primeira rapper não americana a estar no topo do Top 10 de novos talentos da pesquisa anual da revista especializada no gênero, XXL. Atualmente a cantora trabalha no seu novo álbum, intitulado “The New Classic”, que deve estrear ainda em 2013. Do novo álbum já foram lançados dois singles, “Bounce”, o mais recente, e Work, seu primeiro trabalho após ter ganhado notoriedade internacional, que narra, como todo bom trabalho de um rapper, a sua história para chegar aonde chegou.

Work, seu primeiro single mundial, possui uma letra marcante, sem muitas gírias típicas da linguagem do rap, que facilitam a interpretação de quem escuta. Com um pé bem próximo no pop, e a batida irreverente com pegada “chiclete”, fixa na cabeça facilmente. A rapper foi muito feliz em retratar de forma sucinta a sua biografia na letra da música. Embora Iggy tenha passado por toda essa trajetória, ainda é possível encontrar algum tipo de exagero na letra, seria essa uma tentativa de afirmar dentro do estilo musical? É comum encontrarmos na linguagem do rap, características de autoafirmação nas letras das musicas e nos clipes, pois é um gênero originado da periferia e dos guetos estadunidenses, onde o debate social está é constantemente presente. A ostentação por carros de luxo, roupas de marca, correntes de ouro, óculos, sapatos caros, dinheiro dentre outros objetos compõem a linguagem do rap, mostrando com todo o conjunto, um lado marginalizado da sociedade que deseja ascender, e assim o consegue unicamente a partir do crime, música ou esporte, fortemente retratados em diferentes clipes do gênero, e assim também é Work.

Work é dirigido por Jonas & François, uma dupla de diretores franceses que já trabalharam com Madonna no clipe “4 Minutes” em parceria com Justin Timberlake, e com Kanye West em “The Good Life” em parceria com T-Pain. Os jovens são conhecidos no meio publicitário e possuem trabalhos artísticos interessantes que podem ser conferidos em seu myspace. O clipe é inspirado no filme “Priscila, a Rainha do Deserto”, que também é o filme favorito de Azalea.

O clipe foi rodado em um deserto próximo à cidade de Los Angeles, por se parecer muito com o cenário do lugar onde Iggy cresceu. O vídeo parece seguir um roteiro bem traçado, foram usados os equipamentos mais modernos que já são utilizados na grande maioria dos videoclipes atualmente. O clipe é em sua grande maioria trabalhado no plano completo e no chamado plano americano, pois nessa linguagem é importante que a figura do artista sempre apareça por completo. A câmera sempre é posicionada de baixo para cima para contribuir com o ar de poder que o clipe tenta passar.



No vídeo, Iggy começa caminhando no meio da estrada no deserto, segurando uma maleta e usando os seus tão falados Louboutins. Como uma “patricinha”, muito bem arrumada, Iggy passa por todos aqueles que fariam parte da sua família, amigos e vizinhos, como quem parte de um lugar em busca de novos objetivos. Fica claro que Iggy mostra não pertencer a esse mundo, e que o seu lugar está fora desse ambiente. Logo nas próximas cenas vimos objetos que remetem à infância da cantora sendo queimados, como por exemplo, uma bicicleta e um par de tênis. A ideia aqui é mostrar uma infância que foi interrompida, porque desde cedo Iggy deixou de estudar para trabalhar e ir em busca dos seus sonhos como rapper.

A produção traz muitos elementos comuns da cultura negra americana, como por exemplo o Twerking, uma dança que consiste em mover o bumbum para cima e para baixo de forma sensual mexendo os quadris, algo muito parecido com o que grupos de funk carioca já fazem aqui no Brasil. Além disso, no vídeo Iggy só aparece acompanhada de dançarinas negras, como na cena em que aparece cantando na frente de um caminhão.

Nas próximas cenas, a jovem tenta ganhar a vida de outra maneira, fazendo referência à famosa cena de dança do filme “Death Proff”, de Quentin Tarantino. Na cena de dança, o cenário é totalmente recriado para se assemelhar bastante ao filme, e deu um charme a mais à produção, porém, para a grande maioria que não tem acesso a essa pequena informação, a referência passa despercebida. Após ter seduzido o homem na cadeira, Iggy rouba as chaves de seu carro, e junto com suas amigas, partem com destino a Los Angeles, onde a cantora representa da sua maneira a também famosa cena do filme Priscila a Rainha do Deserto, em que Priscila, em cima de um ônibus estende seu manto prateado ao vento. Nessa ligação entre o momento no bar até a chegada no carro há aparentemente um pequeno erro de produção, pois a moça sai do bar para o carro com outra roupa.


A jovem finalmente chega em Los Angeles, e passeia pela calçada da fama com ar de quem se aventura em busca da fama, tentando impor respeito e reconhecimento ao seu trabalho. É justamente esse respeito que a rapper tenta arrancar do público americano atualmente. Desde que estourou no mundo da música, ela sofre com críticas do tipo “ela força um sotaque americano.”, e “ela é um produto montado, que surgiu do nada com um clipe.” ou “ela não é negra e ainda é patricinha para catar rap.”.

Iggy é um objeto de estudo muito instigante, por ser mulher, loira, branca, estrangeira com cara de boneca Barbie, produzida como diva, com uma história intrigante que tenciona com os elementos do rap americano indo de contra a todo o tradicionalismo do estilo musical, e é por isso que ela é alvo de muitas críticas. Em um espaço já muito reduzido, dominado pelos homens, a jovem tenta se firmar fazendo um trabalho de mais fácil compreensão do publico que não compartilha da cultura dos guetos americanos. Iggy se apropria desses elementos, e inspirada por seus ídolos Tupac e Kanye West, trilha seu caminho sonhando em ser um mito no mundo das rimas. O que se pode analisar é que ainda é forte nos EUA a cultura de segmentação de raças, e que a mistura de culturas oriundas de ambientes diferentes não pode acontecer a fim de uma preservação do tradicional. Mas afinal de contas, o que é preservar de fato? Por anos qualquer tipo de linguagem se ressignifica e com isso se mantém presente na história. Trabalhar em cima do que é tradicional e reconfigurar é também inovar. O rap atual já mudou bastante e podemos agradecer também à contribuição atual que as mulheres têm dado no gênero, e a forma forte com que elas aparecem nesse cenário atualmente.


Apesar de rebater fortemente a essas críticas, Iggy não abre mão desses signos que a classificam enquanto gênero rap. Primeiramente por acreditar que o consumidor prioritário da sua música vem das periferias do EUA, onde esses elementos se fazem necessários; e em segundo porque acredita que não compactuar com esses elementos simbolizaria para ela uma quebra do tradicionalismo do rap, o que soa irônico, sendo ela uma peça totalmente divergente dessa situação. Se ela tem autonomia ou não em toda a sua produção enquanto artista, nunca saberemos, mas uma coisa é certa, para quem não convive e entende não só o surgimento desse gênero musical, mas a representatividade dele dentro do cenário musical norte-americano, Iggy Azalea é designada como só mais uma cantora “pop” da moda.





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